Nossa Origem: «Premissas da Emigração»
ERASMO SPERANDIO
«Origens Históricas e Descendentes»
Pouso Redondo – Outubro de 2004
«Premissas da Emigração»
Ir. Joaquim SPERANDIO
Para explicar e compreender a emigração dos nossos antepassados do continente europeu para a América, é preciso voltar no tempo. Além de causas secundárias, dois fatos históricos influíram decididamente no fluxo migratório: O início do capitalismo e o fim da sociedade camponesa no Trentino.
“O advento do sistema capitalista de produção e de tudo o que consigo traria: o revezamento de classes diferentes na condução da social civil e política, uma mudança profunda do sistema econômico e uma consequente mudança do modo de viver do homem, das estruturas em que se organiza, no seu modo de trabalhar, repousar, consumir, reconstruir, mas também no seu modo de pensar a si mesmo, a Divindade, o universo.”
Esta transformação econômica trouxe a reordenação das relações socio-políticas entre as várias áreas geográficas na Europa, desenvolvendo um “Centro” (Inglaterra, França e parte da Alemanha) e uma “Periferia”, com os demais países. A emigração foi fenômeno que atingiu a todos. O “Centro”, racionalizando sua agricultura, expulsava camponeses de seus campos. Com a força de penetração de suas mercadorias e do novo modelo de vida, enfraquecia as economias periféricas, desenvolvendo a emigração nestas regiões. Por outro lado, o “Centro” necessitava de novos mercados de abastecimento de matérias-primas e de novas áreas de escoamento de seus produtos.
A América se povoou aceitando os que foram expulsos das áreas agrícolas européias e organizou sua economia de tal forma que respondesse ao mercado europeu; produtora de materias-primas e consumidora de manufaturados. Especialmente a América do Sul, foi preparada para ser uma área dependente econômica e politicamente das exigências do centro europeu.
Um segundo fato importante no fluxo migratório foi o início do fim da sociedade camponesa européia, que radicada na terra, via nesta um fator de produção essencial e único. Esta sociedade era centrada no núcleo familiar, com leis internas bem estabelecidas e fortificadas pela pregação da Igreja Católica. Uma sociedade permeada de um espírito religioso totalizante que conferia as estruturas eclesiásticas tarefas administrativas e políticas.
Até 1870, o Trentino, era uma das regiões mais pobres da Europa. Era uma sociedade de caraterísticas camponesa em suas estruturas econômicas (quase autosuficiente em tudo), e em sua organização social, impermeável as influências externas. A própria geografia isolava as pessoas em vales estreitos, junto a montanhas altas e cobertas de bosques. As crises que aconteciam eram facilmente superadas através de soluções regionais, apelando para o trabalho ambulante como forma de reforçar o orçamento.
Os anos 70 trouxeram uma crise nova, insolúvel pelos métodos tradicionais. Seria a oportunidade de mudanças estruturais, o que não aconteceu. Ao invés de mudar a sociedade, mudaram de sociedade, reconstruíndo na América ou outro lugar qualquer o mesmo tipo de sociedade. O capitalismo propunha a opção entre: a urbanização e a consequente proletarização; a luta para salvar seu modelo social, ou a fuga. Muitos Trentinos, ao contrário de outros povos europeus que preferiram a luta armada, optaram pela emigração e pela reconstrução da sua sociedade em outro ambiente.
A internacionalização da nova ordem econômica trazida pelo novo sistema de produção, trouxe problemas par a fraca industria trentina e os setores da agricultura ligados a indústria de transformação e não dirigidos ao autoconsumo, caso específico do vinho e da seda. O aparecimento de tecidos diferentes na região fez a indústria da seda entrar em crise, estimulando a emigração.
A estes motivos, deve-se acrescentar as catástrofes naturais, como as enchentes de 1882 e 1885 com prejuízos enormes para toda a região já enfraquecida economicamente.
Estas desgraças naturais trouxeram outras desgraças econômicas. Aumentaram sensivelmente os impostos para poder fazer frente aos gastos públicos e as terras sofreram grande desvalorização pelo grande número de pessoas que jogavam suas propriedade no mercado em busca de dinheiro para emigrarem.
Além disso, as leis agrárias que regiam os contratos entre meeiros e arrendatários pioravam cada vez mais, gerando clima de descontentamento sempre crescente.
O militarismo reinante na região também teve influências no processo migratório. Por mais de 700 anos a região fazia parte do Principado Episcopal. Em 1802 e 1803, a Austria assumiu o controle da região, governando-a por 115 anos, salvo breves intervalos. Os Trentinos eram uma minoria linguística e cultural em meio a povos alemães. Certamente seus intelectuais sempre alimentaram a esperança de unirem-se definitivamente ao Reino da Itália, o que aconteceu efetivamente em 1918. Por tudo isso as situações de crise política eram frequentes e o uso da força militar, arregimentada entre os camponeses, também.
Causas ligadas a “filosofia do povo”, a seu modo de sentir a vida, de pensá-la, também contribuíram para desencadear o processo migratório. A mais importante foi a rebelião do povo contra os detentores do poder político, econômico e militar, individuada como a causadora de todas as desgraças. A América e especialmente o Brasil passaram ser a possibilidade de terras abundantes e férteis onde seria possível reconstruir a vida longe dos “siori” sem serem usados pelos militares como bucha de canhão.
Finalmente a propaganda dos estados estrangeiros, especialmente dos sul-americanos, foi outra grande causa da escalada migratória. “A uma classe camponesa cansada e derrotada, martirizada pelo militarismo e esfomeada por terra, estes estados prometiam tanta terra, isenções militares e bem-estar, além do sonho de poder reconstruir a própria sociedade em terras virgens e desabitadas, sem nobres nem patrões, alheias a novas normas morais e valores que (…) minavam as bases da sociedade camponesa.”
A vinda para a América serviu para muitos como desculpa para refugiar-se no novo continente e assim fugir de pendengas judiciais em suas cidades de origem. Outros ainda buscavam livrar-se do serviço militar, vindo para a América.