O Tempo

Pede-me o Tempo ...
Pede-me o Tempo, de meu tempo a conta;
e eu, para a conta, peço tempo ao Tempo,
pois quem gastou sem conta tanto tempo,
há que ter tempo para fazer conta.O Tempo, entretanto, não quer ter em conta
que tal conta não se fez a tempo;
bem quisera eu contar meu tempo em tempo,
se para contar tempo houvera conta!Que conta há de bastar a tanto tempo,
que tempo há de bastar a tanta conta?
Se quem vive sem conta não tem tempo,
por isso estou sem tempo e sem ter conta,
sabendo que hei de dar conta do tempo,
quando chegar o tempo de dar conta.
Frei António das Chagas,
Religioso e poeta português do século XVII.
O Tempo
Pede-me o tempo de meu tempo a conta,
E eu, para a conta, peço tempo ao Tempo,
Mas corre o tempo, e eu no contratempo,
Sem ver se a vida se me dobra ou monta.Se tento achá-lo, foge e se desponta,
Se o quero livre, cerra-me um destempo,
Se o guardo em mim, consome-me por dentro,
E quanto o espero, mais me desaponta.Oh, Tempo avaro, que me dás sem dar,
Que me tomas de mim sem me deter,
Que me levas a fé de me encontrar!Se és tudo e nada, dá-me ao menos ser,
Que eu, sendo pouco, busco me bastar,
E tu, sendo eterno, fazes-te esquecer.
Francisco de SÁ DE MIRANDA (1481)
Poeta português