Prece de um cão abandonado

Thor estava já há alguns dias circulando próximo de nossa casa. Num domingo, a vê-lo faminto próximo do muro, providenciei algo para que se alimentasse. Comeu com tanta vontade que parecia estar já há dias sem se alimentar. Duas semanas depois, chegando do trabalho, vi que estava deitado na calçada da vizinha da frente. Dava piedade de vê-lo, em pele e osso, a ponto de mal poder ficar sobre as patas. Foi chocante! Corri buscar uma panela de ração para lhe dar de comer. Repeti por duas vezes a dose. Estava, creio, no seu limite. Movia-se com muita dificuldade. Desde então, passei a tratá-lo regularmente. Providenciei medicamento para eliminar os parasitas que já se mostravam em alguns ferimentos. Ontem a noite, ameaçando chover, deixamos o Mike numa área do quintal e Thor ficou alojado na entrada da igreja. Depois de muito tempo, com certeza, pode ter uma noite de sono mais tranqüilo, protegido, alimentado e medicado. Pela manhã, mais uma refeição reforçada e já estava pulando e latindo, feliz e agradecido. Não resisti: fui a uma boa clínica veterinária de Forquilhinhas e tratei para que fossem buscá-lo para uma consulta, tratamento de seus ferimentos e um bom banho.

O nome Thor (da mitologia nórdica) estou lhe dando por sua força, coragem e resistência. Afinal, é um sobrevivente, vítima de abandono, mas conserva ainda a fidelidade, confiança e esperança no ser humano. Estou curioso para ver como voltará logo mais da clínica. Seja bem vindo, Thor! Vamos, com certeza, conseguir um bom lar e boas pessoas para adotar você.

“Sabe Senhor, ainda não entendi. Viemos à praça. Pensei ser um passeio, estranhei. Ele não tinha esse hábito, mas vim feliz. Aqui chegando, me deu as costas, entrou no carro, e nem disse adeus. Olhei para os lados, nem sabia o que fazer – ainda tentei segui-lo e quase fui atropelado. O que eu teria feito de tão mau? À noite, quando ele chegava, eu abanava o rabo feliz mesmo que ele nunca viesse me ver no quintal. Às vezes eu latia, mas havia estranhos no portão e não poderia deixá-los entrar sem avisar o meu dono. Quem sabe foi a mando da minha dona, por eu estar lhe dando trabalho. Não foram as crianças: elas me adoram e creio que nem sabem do que aconteceu – devem ter-lhes dito que fugi. Como sinto saudades! Puxavam-me a cauda, às vezes eu ficava uma fera, mas logo éramos amigos novamente. Estou faminto. Só bebo água suja, meus pêlos caíram quase todos. Nossa, como estou magro! Sabe Pai, aqui neste canto que arrumei para passar a noite faz muito frio, o chão está molhado. Creio que hoje vou me encontrar aí Contigo no céu. Meu sofrimento vai terminar e, mesmo em espírito, vou ter permissão para ver as crianças. Peço-vos então, não mais por mim, mas pelos meus irmãozinhos: mande-lhes pessoas que deles tenham compaixão. Como eu, sozinhos não viverão mais que alguns meses na terra do homem. Amenize-lhes o frio, igual ao que agora sinto, com o calor de atos de pessoas abençoadas. Diminua-lhes a fome, tal qual a que sinto com o alimento do amor que me foi negado. Mate-lhes a sede com a água pura de Seus sentimentos, transmitidos ao homem. Elimine a dor das doenças extirpando a ignorância da Terra. Tire o sofrimento dos que estão sendo sacrificados em rituais, em laboratórios e tudo mais, tirando dos humanos o gosto pelo sangue. Ampare as cachorrinhas prenhas que verão suas crias morrerem de fome, frio e peste sem nada poderem fazer. Abrande a tristeza dos que, como eu, foram abandonados – entre todos os males, o que mais doeu foi isso. Receba Pai, nesta noite gélida, a minha alma, pois não será mais meus o sofrimento, mas dos que ficarem e por eles vos peço.”

Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade. (Leonardo Da Vinci)

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